Entre o jogo intenso dos corpos que se buscam
Sempre de forma distinta
E a palavra que eternamente se repete,
É preciso sempre de novo
A vida.
Essa descomunal intensidade
Que se chama vida


Viviane Mosé. Pensamento Chão. RJ: Record, 2007, p. 56.

Sobre Fascismo Potencial

“(...) Há um ódio barato vigente em nossa cultura. Ele é programado em direção aos pobres, aos tachados de loucos, às prostitutas, aos travestis, aos grupos de adolescentes que se vestem de modo inusitado ou pertencem a uma tribo que não a das roupas de marcas sempre aceitas e dos comportamentos estandartizados. Digo “ódio barato” porque é fácil de sentir e dirige-se a quem é marcado como descartável pelo sistema econômico, social e político. Ele se refere à todos aqueles que não se encaixam também no econômico sistema mental de explicações pré-estabelecidas ao qual o fascista serve. (...)”

Para ler o artigo completo da filósofa e escritora Márcia Tiburi, acesse:

O silêncio como linguagem

"Há momentos e situações em que o olhar comunica mais que as palavras, isso também é intimidade. Creio que sou capaz de dizer muitas cosas sem falar, é o outro que também tem de compreender e de saber interpretar. Quando se estabelece essa relação de intimidade e de amizade, não é necessário falar. (...) Frequentemente é melhor não o fazer porque as palavras estão muito gastas."


António Lobo Antunes

Sobre vida e tempo

O Tempo é um dos temas que mais me fascina! Então, me pego lendo e relendo esse trecho da filósofa e escritora Simone de Beauvoir:

"O tempo é irrealizável. Provisoriamente, o tempo parou pra mim. Provisoriamente. Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro. O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar. Portanto, ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo. Que espaço o meu passado deixa pra minha liberdade hoje? Não sou escrava dele. O que eu sempre quis foi comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida, unicamente o sabor da minha vida. Acho que eu consegui fazê-lo; (...) Não desejei nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos."

A transgressão do pensar

"(...) Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto. (...) Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar. (...) Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança. Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade. Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for. E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer.”

Lya Luft. Pensar é Transgredir. In: Pensar é Transgredir. RJ: Record, 2004

Lógicas exibicionistas

Cheguei do "trampo" agora a pouco e, enquanto tomo café, fico passando a noite a limpo. Então estava eu cá com meus botões concluindo que as pessoas acabam entrando nessa lógica de ter de encontrar alguém com quem passar o fatídico dia 12 ("dia dos namorados") mais pela pressão dos outros do que por carência e desejo de entrar num relacionamento. Carência (ou desejo) fica me parecendo a última das questões a ser sanada. A primeira é a exibição p/ os outros de "um alguém" que esteja ao seu lado naquela data.
O real relacionamento dá-se, nesse sentido, com o olhar dos outros. Esses outros que te dizem que não pode ser legal se sentir bem sozinho; que se você está sozinho, é porque ninguém quis e, logo, não deve ser uma pessoa boa p/ se relacionar.

Na era atual, fico com a sensação de que solidão, amor, afeto, os sentimentos de modo geral, foram transformados em mercadoria e, ao adquirirem tal forma, tornam-se capital necessário a aquisição de status, imagem e, porque não, miragem?!

Atualização:

Aí você recusa uma cantada em pleno dia dos namorados e isso pesa como se o mundo tivesse acabado porque as pessoas não conseguem entender como você pode ter optado por ficar "sem ninguém" nesse dia... #VaiEntender

Fragmentos de aprendizagens

“— E então você não quis mais nada disso. E parou com a possibilidade de dor, o que nunca se faz impunemente. Apenas parou e nada encontrou além disso. Eu não digo que eu tenha muito, mas tenho ainda a procura intensa e uma esperança violenta. Não esta sua voz baixa e doce. E eu não choro, se for preciso um dia eu grito, Lóri. Estou em plena luta e muito mais perto do que se chama de pobre vitória humana do que você, mas é vitória. (...) Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.”
Clarice Lispector. Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres. RJ: Rocco, s/d:

Alegria, tempo e solidão

Trechos da entrevista com a filósofa e poeta Viviane Mosé:

"A alegria é a hora de relaxar, de transar, de se divertir. Na hora de alçar novos voos, crescer, é hora de ralar, quando você está com problema, com uns vazios. Se você só tem alegria, você não tem necessidade de crescer, de investir no crescimento. O grande sofrimento é que faz o homem empreender grandes jornadas na sua vida. Você vai tentar mudar se está tudo bem? Não. Não vai. Mas o que fazemos hoje? Vamos direto para a medicação psiquiátrica. (...) O nosso tempo convive demais! Para que a gente convive tanto? Vamos nos isolar mais! Temos que aprender a conviver com a gente mesma. Por que tem que ser aceito por todo mundo? Por que precisa ser famoso? Quem fica sozinho? Na internet talvez você fique. Por mais que esteja trocando conteúdo, está elaborando a sua solidão no seu blog. Temos que redescobrir a solidão, ter espaço para conviver até com a sua melancolia. Isso é bom. (...) Acho que todo mundo sente falta desses momentos, de contemplar, sentir. E sabe o que acho horrível? A pessoa que não consegue dar conta da sua própria vida e a “terceiriza”. Coloca o outro para cuidar. Isso é uma violência contra o outro. Uma violência grave."
Para ler a entrevista completa, acesse:

Sobre Sociabilidades & Amizades

“– Você deve pensar que gosto muito de vida social, mas não é inteiramente verdade. Eu só não consigo ficar sozinho. Não tenho o menor interesse pelo que as pessoas têm a dizer, mas não prescindo de companhia, a mais tola, a mais supérflua. Eu preciso de gente, preciso falar, falar e falo inconsistências, nada de real, sincero, falo sem parar, cortinas de palavras vãs, e o que sobra de tudo isso é apenas um vago sentimento de não estar só.
– (...)
– Sinto saudade do tempo em que a gente era amigo.
– Eu também. Tenho saudade das piadas idiotas, da vida de todos passada a limpo, daquela espécie de adolescência revivida do afeto que nos unia, da família que éramos. Quando nos separamos, eu perdi a família.
– Nós temos de ficar juntos. Nós, que apesar de todas as diferenças nos queremos tanto, por tudo o que vivemos, pela cumplicidade que muitas vezes não é verbal, mas que se expressa na nossa afetividade, na agressão, no carinho pela nossa juventude, nós não podemos romper, nos afastar.”


Maria Adelaide Amaral. Aos Meus Amigos. SP: Globo, 2008, pp. 318-319.

O perigo dos livros (?)

A colega vem até o meu quarto, vê os meus livros e me pede um emprestado. Eu a pergunto pelo tipo de literatura que ela gosta de ler e ela me diz que está aberta a sugestões. Aí eu empresto "Helena", do Machado de Assis e, depois de 2 meses, ela deixa o livro sobre a minha cama e fico sabendo que ela foi embora da república!! Será isso um grande trauma!? #Confuso

Lá na Lapa

Depois de ter visto minha avó, meus tios e primos, fui à Lapa/RJ. Várias pessoas das mais diversas: gente com “estilo” roqueiro dançando funk em frente a um bar; pessoas no “estilo” de se vestir hippie dançando pagode no bar ao lado. Um cara sem camisa tocando bateria no meio da rua e pessoas no “estilo” nerds pedindo para um músico cantar música afro-brasileira. (Vi quatro roubos e três brigas). No final, por volta das 04h30min da manhã, decido ir para a rodoviária, penso:

– Vou de táxi ou de van?

E respondo:

– Vou de van! Quero ver o povo como é que é!

Aí entrei na van “Cascadura – Norte Shopping – Madureira – Rodoviária”. Logo depois entram duas meninas de blusinha colada e mini-saia, muito alteradas, que começam a gritar p/ as pessoas que estavam na rua:

Menina 1 e 2 – Suburbana direto! Cascadura, Marechal, Penha, Olaria!
Menina 1 p/ Menina 2 – Quem vai pagar?
Menina 2 p/ menina 1 – Paga você agora que eu paguei a ida e a volta! E eu vi tu catar R$ 25,00 do cofrinho!
Menina 1 – Quanto é a passagem, motorista?
Motorista – Até aonde você vai é R$ 4,00!
Menina 1 – Mas aqui atrás não tem lugar; vamos pagar uma passagem só, hein!

Então o motorista vira e diz:

Motorista – Então vem aqui na frente que tem lugar! Dá licença aí, cara, que elas virão aqui p/ frente!

Aí as duas meninas saem de trás da van e entram na frente. O ajudante do motorista que estava na frente passa p/ a parte de trás.

Menina 1 p/ as pessoas na rua – Delícia! Vem que vem que vem!
Possível passageiro 1 p/ o motorista – Passa na Avenida Brasil?
Motorista – Não! Avenida Brasil só na novela!

Aí entram mais 3 meninas e 1 rapaz, também alterados, que começam uma discussão sobre quem iria pagar a passagem de todos.

Menina 3 – Quem vai pagar é você! Tu ta me devendo, tu acha que eu não sei que tu me roubou?!
Rapaz 1 – Que caô, véio! Tem nada disso não!
Menina 4 – Roubou, sim, tu é trambiqueiro!

Então a conversa começa a ficar num volume alto e as 2 meninas que estavam na frente acham que o papo é com elas e começam um bate-boca com o pessoal que acabou de entrar. O ajudante do motorista começa a pedir calma ao mesmo tempo em que começa a falar mais alto. Nesse ponto do bate-boca, o motorista se vira e diz:

Motorista – Olha só, vamos parar com a putaria aqui! Senão eu vou botar todo mundo p/ fora! Se tu roubou a menina, devolve e desce!
Rapaz 1 – Não, não roubei nada não.
Menina 3 – Ta de boa aqui, seu motorista!
Motorista – Então vamos manter os ânimos e calar a boca senão eu ponho pra fora!

Silêncio de todos os passageiros.

Menina 3 p/ ajudante do motorista – Ih, o cara mandou tu calar a boca e tu calou!

Aí a menina 1 vira p/ a menina 2 e começa a conversar – Tu tem amigos? Eu não tenho amiga! Porque amiga, sabe como é que é: pega no teu marido, não vai pegar no teu rabo?! Eu não tenho amigas!

Menina 4 – Toma aí, motorista, a minha passagem e a da Filó! Filó, tu que ta mais aí atrás, levanta a mão p/ o motorista te ver!

Filó levanta a mão.

Menino 1 p/ menina 3 – Cara, eu entrei no Manguinhos irado! O povo ficou bolado porque eu catei R$ 300,00 reais!

P/ afastar a poeira dos dedos ou o nó da garganta

Deu vontade de escrever, então escrevo. Deu saudades desse lugar, ou melhor, desse projeto de lugar-diálogo que já nasceu fadado ao fracasso. Hoje li uma coisa muito interessante no Facebook de uma conhecida que diz o seguinte: "Se eu guardei o que sinto em silêncio, pode ter sido por duas razões: ou porque eu sabia que ninguém se importaria, ou porque eu tinha certeza de que ninguém me entenderia.".

Penso que seja por aí... A verdade é que depois que aprendi a ouvir e a me interessar pelo que as pessoas dizem, nunca mais tive muito tempo para me preocupar com o “eu” do diálogo, com a minha parte nesse movimento de ir-e-vir, então acabo sempre por participar de um monólogo – o que me torna sempre uma companhia bem vista, acredito.

Quando mergulhei na literatura com mais afinco, lá pelos idos do fim da infância e começo da adolescência, acabei por acreditar que tudo o que eu sentia e poderia dizer já havia sido feito e que a prova estava justamente ali, nos romances e poemas que eu devorava a cada instante (pelas madrugadas em claro ou durante as aulas que eu não gostava) e que citava aos montes em trechos nas minhas falas ao longo das conversas com os amigos como se fosse o melhor que eu poderia fazer para participar, de alguma forma, um pouquinho do bate-papo.

Até hoje esse habito me acompanha, de certa forma, só que agora mentalmente. Quando estou em determinadas conversas e algo é dito, sempre ocorre da minha memória suscitar algum verso, alguma estrofe, parte de alguma música/poema/romance/livro que li. A fonte eu nunca lembro direito, sou capaz de confundir autores e obras por simples desatenção, não sacralizo autores ou obras, apenas as leio e me permito ser invadido por elas, ou não.

Dizer que agora essas coisas se tornaram mentais e silenciosas não significa dizer que tenho conseguido dialogar, somente significa dizer que não tenho citado mais, significa dizer que nem isso mais eu tenho tentado fazer. Tenho evitado até mesmo a tentativa de diálogo que se dava dessa forma. Dá um cansaço só de imaginar o desgaste que é discordar e ter de estruturar a discordância em palavras. Principalmente quando sabemos que tudo o que dizermos, por mais compreensível que possa ser, será questionado porque, no fim, as pessoas não vão querer aceitar que podem estar erradas ou que as coisas podem ter outros pontos de vista que também podem ser legítimos, sem que isso anule os seus próprios pontos de vista. Também pode haver um pouco de pretensão nessa minha atitude, confesso, de pensar que ninguém entende. Claro, não é possível entendermos algo que não foi explicado, sequer dito. É esperar pelo impossível...

Além disso, continuo com a impressão de que ninguém tá muito interessado em me ouvir, em te ouvir, somente em falar e ser ouvido. Não acho que eu seja lá muito interessante, o ou que eu possa dizer, e me canso muito facilmente quando percebo que estou falando demais, quando começo a ouvir minha própria voz enquanto falo. Pode ser que eu nunca tenha encontrado pessoas que achem o que eu falo interessante, a minha opinião relevante – ou demonstrem que elas são! – e o que falo (ou teria para falar) só pode vir do que eu vejo, do que eu leio, do que eu sinto...

Anyway... Estou com meu horário biológico todo atravessado. Não consigo dormir quando deveria (?) ou acordar no horário considerado normal (??). Meu colega aqui da república disse que eu entro em depressão nas férias/fim do ano porque minha vida gira em torno da faculdade. É bem verdade isso, não sei se quero ou poderia negar. Pois mesmo os amigos são, em suma maioria, oriundos da faculdade e, logo, saem da cidade quando de férias – muitos sequer são daqui ou se mudaram para cá devido os estudos na faculdade, como eu o fiz. E confesso que eu mesmo já teria saído da cidade se eu não estivesse trabalhando nessas férias por aqui. Mas acho que é mais do que isso, acho que é da rotina que mais sinto falta; da única rotina que sempre me acompanhou pela vida toda: a rotina “escolar”.

Eu, que há alguns posts atrás pedia por férias, não vejo a hora de ela acabar! Férias deveriam ser bimensais: a cada dois meses, uma semana de férias ou quinze dias, ou algo do tipo. Tenho uma montanha de textos para ler para escrever um projeto e um artigo, mas não encontro disposição; só funciono na pressão, com datas, prazos e cobranças. Senão... Faço como tenho feito: pego um livro de romance e leio duas páginas até pegar outro e ler somente a introdução e misturar com um artigo acadêmico que achei sem querer pela internet e que também não termino... Aí fico a navegar pela internet nessa péssima conexão que é a minha no momento, ouvindo músicas armazenadas no computador que nunca ouvi por excesso do que fazer, entrando no Facebook pelas madrugadas afora, enfim, louco de carência e solidão, desejando um diálogo que seja.

De bom, só o fato de que meu ano de 2011 foi inacreditavelmente incrível e que meu fim de ano tem sido menos doloroso do que costuma ser; tenho conseguido não me sentir tão mal como de costume nessa época. Tenho levado os dias até que razoavelmente bem. Claro, têm momentos em que caio num abismo – ou que acordo mergulhado nele! –, mas tem sido incrível como tenho conseguido me sair até que bem dele e prosseguido...

Décima elegia:

"(...) O medo é de dormir na luz.
Lamento ter sido indiscreto
com minha dor e discreto com minha alegria. (...)"

Fabricio Carpinejar in: Terceira sede.

Encontros e Despedidas

Estudando atos de fala, a pragmática e afins, vi que a ação está presente no discurso. A discussão é longa e me apaixona: linguagem é mesmo um tema delirante de tão bom! Melhor ainda podê-lo estudar no curso que escolhi fazer. Mas será que a linguagem opera como estruturante também na identidade de um indivíduo?

Sei lá porque raios pensei nisso, mas é que o desejo de ser antropólogo tem conflitado com o desejo de voltar a ser tão somente aquele garoto que curtia ficar no seu quarto devorando os livros de literatura da biblioteca municipal.
Fica parecendo que a cada passo dado, já não há mais essa opção. (Como se o surgimento de uma identidade W em um determinado indivíduo destoasse de sua identidade anterior, de sua identidade Z - como se ser WZ não fosse possível).
Têm-se, daí, os ditos encontros & despedidas: como se encontrar algo de bom fosse também despedir-se de algo que também fora bom, mas que já não é mais compatível com o momento atual. Um epitáfio possível para essa situação seria: As coisas são simples na medida em que não são nada simples.

Minhas idéias versus Idéias dos outros

Mary Douglas e a leitura de seu livro "Pureza e Perigo" (2010) não me permitem dormir e me fazem desenhar idéias de pensamentos soltos e vagos... O ponto ápice é a consciência de que preciso de férias!
Pedir por férias, nesse momento, significa pedir pelo distanciamento desses outros que me/nos invadem repletos de teorias e discursos...
- O que é meu e o que é deles, desses outros que me invadem? O que são "minhas idéias", meu chão de pensamentos chão, e o que são "idéias de outros", chãos de pensamentos que não meus, mas no qual tenho transitado sem muita demarcação?
Pedir por férias é pedir pela retomada de decisão acerca do uso do (meu) próprio tempo. Quero usar do meu tempo para ficar "pasmando", pasmando e contemplando o nada e lugar nenhum; mover-me pelo simples motivo de me mover, sem que a isso eu dê (ou roube) o nome de ócio criativo...

A comunicação como invenção e pretensão

No momento atual, chego a conclusão de que a comunicação não é possível da forma como a pensamos. "Quem diz é o acordo estabelecido entre quem fala e quem houve", diz Viviane Mosé num de seus poemas.

Nossa pretensão de que tudo será dito e entendido tal como desejaríamos é um mito. Estudando a linguagem, me dou conta de que os desenganos/desentendimentos são parte constituinte desse "instrumento" inventado para tentarmos transmitir algo/alguma coisa a alguém. Tola ilusão...

Sobre a "mercadoria-tempo"

O tempo, tornado mercadoria, certamente é um produto que me apetece. Não sendo muito caro, porque meu bolso não tem dado para grandes coisas ultimamente, compraria uma boa dose de tempo e um pouquinho mais de memória também, se estivesse a venda. Como não me parece ser o caso, fico com a máxima que diz que "só tem tempo quem não tem tempo...".

Luto & Melancolia - Carta não datada

Vida,
Disseram-me que a dor passaria, mas ainda não passou. Enquanto isso tenho estado seco, seco de amor - o mesmo que me fora roubado mediante a extrema felicidade. Sem ele, nada consigo dizer-lhe. De tudo o que eu deveria, ou poderia. Dizer-lhe do calor que tem feito, das chuvas de verão ao entardecer, das descobertas e reconfirmações dos ganhos...
Nada me veste ou transborda. Tudo em mim é desencontro e despedida, abismo e queda, imersão. Tenho tentado reaprender ou mesmo aprender a seguir novos e velhos caminhos tendo agora, em minha bagagem, como companheira, a leva de "apesar de's" do qual tanto ouvira falar sem conseguir dimensionar sua força.
Lamento imensamente que esta carta tenha tamanha carga, que seja uma carta recoberta de luto e melancolia, mas meu corpo denso me governa e minhas mãos só me permitem a transmissão desse pesar a espera do tempo, a espera do fim.
Com afeto,
Eu.

Tempo & duração

É tudo o que sou esse não saber ser

desencontrado

verbo, ação, tempo e lugar.

Esse vir a ser constante de inconstâncias,

Esse devir a me compor amontoado

de gestos entregues sem palavras.

A vida

uma porrada,
um abandono,
uma pausa sem respiro,
um nexo desconexo,
um delírio. uma brincadeira
um não ter sempre desejoso de vazios

Avulso

O problema é que nós pensamos demais, achamos demais, valorizamos demais aquilo que pouco importa. Precisamos redescobrir o nada, o tempo presente, as pessoas presentes, a vida presente. Precisamos descobrir o riso e brincar mais; ler Drummond não por ser um autor elegante, mas por ser essencial a alma; porque os poemas de Drummond talvez nos caibam, nos preencham de sentimentos simples e completos. Precisamos inventar a alegria existente no cotidiano. A felicidade.

Tempo em que nada se sabia

Ouço Caetano cantar Você não entende nada e ganho certezas até então desconhecidas. “Eu quero tocar fogo nesse apartamento, você não acredita”. E a todo o momento, a todo o instante uma idéia nasce uma criança parte e eu não tenho lirismos nem poesias, somente minha cabeça pesada e cansada de lamentações e culpas. Culpas como facas me perfuram a carne e é de dentro pra fora. O reverso da vida é o corpo e o copo.
Porra!, é Caetano; e não é só isso, minha melodia minha melancolia minha monotonia. Não me tragam Chico que não trago nem cuspo; juro, não suportaria; o que desejo, grito. Todo dia (ela) faz sempre tudo igual... e o cansaço também se instala como cotidiano – não há sobras só sobras. Soçobras. Nada nos resta quando o inusitado acontecer da vida vira mágica revelada. E saudade velada do tempo em que nada se sabia.

Amor,

não faças muito barulho

ao entrar

podes acordar o tempo

que embala nossas vidas

como se tudo fosse

eternidade e encantamento.

No momento

Tenho percebido que não adianta tentar se apegar as coisas. Mais importante que ficar tentando retê-las, é viver o momento. O amanhã é muito longe, está muito distante e muita coisa pode acontecer até lá. É necessário viver o hoje, isso é o que vale: o momento presente, o instante-já clariceano.
Venho compreendendo que a gente vai mudando ao longo do tempo, mas continua sendo a mesma pessoa. Eu continuo sendo o que já sou, talvez sem saber ou me dar conta plenamente disso, só que de diferentes maneiras – porque também sou vários, em um.
Não sei se isso é bom, nem se as outras pessoas irão gostar do meu “mim”, mas sou eu, e é só o que posso no momento. Esperar demais dos outros também não vale a pena. Só é possível esperar algo de si mesmo, de ninguém mais.

Carta para você

"Tenho pensado em você quando tudo se silencia, quando tudo deixa de exigir urgência, a pulsão diminui, e não sinto mais a dor, não como antes. Tenho amado você aos poucos, sem pressa, sem alarde, sem explosões, e isso tem me modificado de algum modo.

Meu amor, confesso, tem tempo certo, segue gestando-se pouco a pouco nesse coração sôfrego de lutas cotidianas. Meu amar necessita de elaboração para se construir certeza, requer estruturas sólidas, portos largos fixados em águas profundas, bases que me permitam fincar morada.
Eu te amo em mim e meu amor é delicado, por isso não o ofereço a ti. Sou egoísta, admito, quero me permitir amar sem interrupções, sem possíveis negações; quero a magia da alegria crescendo a cada instante dentro desse corpo num acontecer inexplicável.
Meu corpo te cabe por inteiro, meu corpo são poros abertos, sedentos, em busca de um complemento que só você é capaz de oferecer."

quântas-canta

"Quantas vezes é possível perder algo ou alguém por um simples mal-entendido? Quantas e quantas vezes a palavra não serve para nada, ou pior, presta-se apenas para piorar o estado das coisas? Não que o silêncio seja estabelecedor. O silêncio, num rosto inexpressivo, é um túmulo."
Fernanda Young. In: Vergonha dos Pés.

de 1950

“Se você encostar em mim, sinto que não irei agüentar. Não irei suportar sentir seu toque fugaz e... Preciso dessa mínima distância para poder respirar meu próprio ar, alimentar-me de luz nascida do meu mais íntimo. Meu vício de você não fora algo que eu previra; quando percebi, já estava dada essa entrega sem amarras nem placas ou sinalização. As ruas túneis difusos, vielas bifurcadas de fluxos e confluxos de vocabulários próprios e distanciados do todo. Eu tenho bocas, mas não tenho a posse do eu, nem mesmo a voz da negação. Tenho veias, frutas secas e tinteiros, tenho vãos despertencidos borrões de loucuras sólidas razões imaculadas e putas. Colho os sonhos que você me deu. Os corpos, os corvos.”

Saber sofrer (?)

Em carta, você me perguntou pela felicidade, mas preciso, em resposta, escrever sobre o sofrimento. Talvez eu os veja como interdependentes, como componentes simbióticos de um sonho coletivo. Isso que convencionamos chamar de realidade. Uma ilusão. Uma desilusão.

O que mais poderia nos livrar do sofrimento se não a percepção do mesmo como parte integrante de um círculo natural ao ser humano? Sofremos por estamos vivos. Nossa outra opção seria não sofrer, ou seja, não mais viver – a vida em sua plena intensidade de jogo de forças que se sobrepõem, a todo instante, a nós.
Portanto, cabe-nos constantemente reinventarmos o sentido da vida, já que o mesmo não se encontra dado, descobrirmos valores que justifiquem o sofrimento, o entendimento deste como um momento não definitivo, mas fundamental para o crescimento, para uma completa expansão no mundo.

Resquícios confessionais

Abortei o amor na clandestinidade dos excluídos, dos subversivos, dos exilados frente à própria felicidade. Não tinha direito a tanto, a tudo; o direito de governar-me nunca me fora entregue bem como as chaves do deserto de peles com que me cubro, e não me cabem. Abortei as faltas que, talvez, não me caibam como quem reduz ao pó a própria inexistência do grito a procura de alento. Os excessos presos a garganta um nó de palavras símbolos e signos, corroboradas em cartas extraviadas na imensidão do afeto sepultado. Ao morto, duas moedas de prata sobre os olhos, o devido.

Última carta ou Carta-profética

– Introdução

Sinto que essa é a última carta que envio a você. Não uma despedida no sentido de que pretendo me mudar, mas é que há muito mana aqui e talvez não seja suportável tamanha leveza, tamanho esvaziamento e partilha. Lidar com o outro é lidar com o imprevisível que também nos habita. Tudo para mim parece despedida, nunca me acostumei a algo que não fosse efêmero e independente do meu querer. E acho que amizade é assim, não é? Cometemos pequenos erros que podem ser os maiores tropeços já cometidos sem nem ao menos nos darmos conta de que ferimos o outro sem nos darmos conta, pois não era essa a intenção, não foi por maldade: simplesmente não sabíamos.
Escrito em 15/07

As formas de loucura sem sentido

Às vezes tenho vontade de fazer as malas e partir, mas só ás vezes é que tenho essa vontade de ser eu mesmo; em geral fico quieto e obstinado, obedecendo ao jogo flutuante aceito veladamente no exato momento do embarque. Houve a partida sem despedida e a percebi no momento em que olhei para trás e o passado já não estava mais no lugar que eu acreditei que devesse estar.

Tudo é muito confuso para ser descrito, ainda mais em cartas fantasmas, sem destinatários ou datas. Enviarei a você, que sou eu na medida em que lê o que escrevo, na medida em que me lê, os trechos que ainda me constituem forma e força, as pistas deixadas ao acaso, para o caso de alguém decidir procurar por mim, e você, por aí.

Perambulando

Andando pelas areias da praia, tinha a esperança de que o gesto me fosse devolvido, de que os passos ainda produzissem pegadas. Mas a areia haviam coberto tudo o que um dia havíamos sido. Nós dois soterrados em palavras cotidianas, de vida e de morte.
Lembrei-me da exata medida em que nos encontrávamos ao perceber a perda de direção mediante o abismo de incertezas e negrumes grãos de areias – restos de tempo perdido em ampulheta naufragadas –: a cada instante mais vivos, a cada instante mais próximos da morte.
O que dói não é a verdade, mas o nenhum preparo para perceber o que se dava sem a mínima percepção do possível e fatídico fim. O não despertar para o momento anterior ao momento presente, antes do acordar pra essa ausência que me cobre a pele e me despe os sentidos.

...Mas você não estava lá;

E era tudo o que eu sabia: que você não estava. Se ao menos eu possuísse a certeza de que um dia havia estado, talvez pudesse repousar entre os abraços não recebidos. Mas já não estava lá; o laço desfeito, a dúvida perdida. Apenas esses fragmentos, caídos ao chão, os velhos retratos de momentos passados, e as letras de vivências destroçadas por sobre as paredes brancas. As chuvas de outono. As mágoas.

Devaneio

É um espaço vazio. O que fazer quando o espaço vazio reside dentro de nós, sendo impossível apagá-lo, transferi-lo ou ignorá-lo? Dar voltas ao redor de si mesmo para constatar o peso da leveza. O vazio pesa, de tão leve que. É. E não é cheia, é falta o que preenche o vazio. Cheia, talvez, de inúmeras outras coisas. Mas tanto também falta, tanto também cabe – ou será que não?

Clément Rosset diz que o homem tem uma enorme capacidade de sentir, mas uma mínima capacidade de suportar o que sente. Quem sabe seja isso, quem sabe a falta se chame felicidade. O que pode ser a felicidade que não espaços absolutos em meio à infinidade de constâncias cotidianamente inexpressivas? Espaços absolutos de alegria, de bons encontros, diria Spinoza, de pura revelação, insight, epifania.

Mas o que sei eu sobre tudo isso, sobre felicidade, encontros, Spinoza ou Clément Rosset? Eu que sou apenas mais um tentando sobreviver, ou melhor, tentando desvendar a capacidade humana de ir além da sobrevivência e viver. O que sei? a não ser que tudo isso custa caro, custa muito cara a guerra contra o (des)conhecido inominável?

ausente-presente

o sentimento implora uma tradução,
implora uma palavra que lhe dê toda a vazão
necessária para esvaziar-se do corpo represo.
e do medo de não estar mais tão ausente-presente

cartas aos náufragos

Estou fracassando. Fracassando e sem ter como evitar.
As imagens me acompanham; meu espaço à deriva.
Li um livro recentemente que me deixou muito triste, e feliz.
Depois posso até reflexões que expliquem
porque o sofrimento, na arte, permite o prazer.

Nietzsche, quem sabe também Schiller...
Schiller não caberia aqui, no momento
eu é que deveria caber. No entanto não consigo transparecer.
Camadas e mais camadas...
Cal onde nem chuvas de janeiro nem desembocamento
de rios em mares conseguiram desmanchar.

Fiz pesquisa e descobri muito do desconhecido.
Óxido de cálcio: substâncias das mais importantes
para a indústria, utilizado na construção civil para preparação
de argamassas que erguam paredes e muros

da minha vida. possuo os muros e as entranhas, firmes.
Essas resistências que por tantas vezes me sufocam
e não sei como evitar. Fiz pesquisa para saber, para que saiba.
Que talvez eu não seja tão ingênuo, não;
Que talvez o amor não me queira. na palma de suas mãos
Se conto, é para que saiba:

Já não escondo tanto mais a minha dor. Se eu estiver sangrando.

Amor

nos vãos de telhas coloniais,
nos quintais de terra e luz,
nos vales e sons,
no tom de cânticos e preces,
no tempo do adeus.
nas memórias entrecortadas,
nas rezas, nas brechas, nos vãos
e abismos sufocados em esperas
ou mesmo Deus: nada
ousou nos traduzir.



(Outono de 1964)

carta naufragada: bilhete redescoberto*


Parte II, Indagações:

quem cuidará das minhas dores inomeáveis
e me estenderá as mãos quando nada mais fizer sentido?
me reensinará o caminho rumo ao futuro incerto
onde tudo se fará como da primeira vez
nunca ocorrida...

(* entre as caixas de Pillar, bilhete datado de 1920)

Uhmam

as carnes

desprendendo

os ossos

desprendendo

o corpo

ácido


corrosivo

inverno

venoso

aniquilamento

fértil

solo


Humano.

Carta a quem sou quando não palavra

o céu bonito e claro. escorre. aos poucos. os olhos.
da janela se vê. o interno-outro: nebulosidade e mistério.
desconhecidos. rios a se formar por sobre o chão.

onde não piso.
é maio e não tenho medo. do futuro.
uma paz desconhecida a irromper da carne.
pega minhas mãos e acalma. sua angustia
como se um corpo a dividir. sem pressa,
nossa canção eclode das águas e flui – em meu avesso.

por entre pedras e lama. a confirmação de nossos dias
entrega. porque você nunca me economiza. exiges,
inclusive, as entranhas do sentimento ainda não acontecido.

n
ascendo de dentro de mim sem explicação. há todo um
gesto e jeito próprio de ser.

e não sei se transbordo ou seco. ser líquido ou represa
não sei se líquido ou represa. meu lugar nesse estancar
entre moradas e esquecimentos. me diz (?) porque
eu simplesmente me entrego.

(imagem da série 'Aqueous', do fotógrafo britânico Mark Mawson)

Carta feito tatuagem

Eu não tenho o menor senso prático, e por isso confesso
essa facilidade p'ra viver
_____________________a vida sem sequer pensá-la
ponho pelo avesso antes de ousar decidir trajeto,
sair de casa e deixar as coisas acontecerem. Ou não.
A ordem prática em relação às coisas é algo que me falta.
Tenho uma estranha disposição para a complicação.

O fazer de algo simples se torna subjetivo:
preciso de bulas detalhadas que me expliquem
possibilidades; de como posicionar pontos finais ou agir
mediante a desvios, vírgulas de percurso e sensações
em forma de sentidos. Sonetos que traduzam. minha obsessão
por letras, signos, tinta e grafia. Sua caligrafia fica. desenhada
por sobre o corpo, tatuagem a me redirecionar a você. em mim.

sentimentos subterrâneos

"...Eu não gostaria de ser feliz assim o tempo todo, gosto de ficar meio deprimido às vezes, é claro que isso também faz com que eu fique intragável, mas ainda assim eu gosto. Gosto de ser intragável às vezes e quando isso acontece você precisa ver a maneira como as pessoas me tratam. Muito bem. Isso é uma coisa que eu aprendi com meu pai. Seja arrogante, frio, fale somente o necessário, não incline a voz, tenha um olhar alheio como se nada a não ser você tivesse importância nesse mundo e as pessoas irão tratá-lo muito bem. Já vi isso acontecer várias vezes com meu pai. Não saio por aí humilhando ninguém, mas é que tem horas em que você precisa ser tão arrogante quanto a maioria pra não ser tratado como um idiota principalmente em lugares como supermercados, bancos, lojas de grife, restaurantes ou em qualquer outro lugar onde será atendido por um ser bastardo...".

(trecho retirado do livro '
O habitante das falhas subterrâneas
', de Ana Paula Maia, que pode ser lido virtualmente clicando aqui.)

em outros espaços

um poema meu, que já foi publicado por aqui, também foi publicado no blog do jornal plástico bolha de literatura contemporânea. fiquei muito contente; espero que mais pessoas o leiam e que, claro, todos gostem. para lê-lo lá, clique aqui. ou, se quiserem, ele pode ser lido em algum canto desse espaço próprio... é só o encontrar e lhe desdobrar o sabor.

Na rua em que perdemos os nomes,

os passos são lentos. Parecem retornar em minha direção. Não sei se, de fato, desistira. Não pedi para que ficasse. Despedi-me por acreditar definitivo. Ao dizer adeus, algo me devolveu a despedida. Não um eco; algo único. Fixei meus olhos em sua boca na esperança de que você... Se ao menos naquele instante tivesse-me dito as palavras que nos reuniria novamente... No entanto, ficou o silêncio, diante de mim, o vazio; E os lábios selados, os mesmos lábios que tanto declararam, secos. Confrontou-me como se eu fosse um inimigo. Lembrei-me do riso solto e da bagunça dos lençóis. Tudo mudara tão de repente que nem ao menos sabia se um mero abraço ou aperto de mão, simplesmente. Éramos, agora, dois quase desconhecidos numa mesma rua. Só. A pergunta em forma de pensamento. Quando será que nos perdemos de nós?

'Pra declarar minha saudade'


Fiz uma canção pra declarar minha saudade
Do tempo em que a alegria dominou meu coração.
Eu era bem feliz, mas desabou a tempestade
Levando um lindo sonho pelas águas da desilusão.
Eu fiz uma canção pra declarar minha saudade,
Usei sinceridade que me dá certeza que você
Quando ouvir, o meu cantar, vai se lembrar que deixou
Do lado esquerdo do meu peito essa dor,
Que tá difícil de curar...
Tenho certeza que você, de onde ouvir,
Meu soluçar em forma de uma canção,
Vai se lembrar que nosso amor é tão bom,
E que pra sempre vai durar.

) Jr. Dom / Arlindo Cruz (

*Para Heitor,

a situação é mesmo essa ao acordar e ver como o mundo se apresenta. Aí se arrasta até a rua, porque a sobrevida segue consigo, e dá de cara com alguém feliz! Vê uma pessoa feliz e pede desculpa, desculpa por também não estar sorrindo – mesmo que, a seu ver, não haja motivos; mesmo que não saiba as causas do largo afrouxar de lábios do outro, com seus dentes brancos e alinhados, a língua louca pra doar um jorro... –, desculpa por não saber, por não fazer, por seus olhos enxergarem além de si mesmo, por enxergar o que os outros não... E vai batendo uma angústia, de repente, uma dor no peito crescendo em direção ao céu cinzento e turvo podendo, a qualquer momento, escapar pela boca... Sentindo-se mal por estancar o venoso da alma; amaldiçoado por todo colesterol ruim que irá consumir em salgados fritos e comidas enlatadas ou congeladas; pelas atividades físicas que não pratica; pelas ligações não feitas pra família; pelas palavras não ditas e a falta de remorso; pelos vícios que têm e pelos que ainda terá; por todos os cigarros e cervejas levados até o fim sem culpa. Vai batendo um mal-estar como se uma porrada na boca do estômago. Porque, na verdade, só o que quer é um canto na sala – úmida pela infiltração; só o que quer é um canto no apartamento – sem luz nem gás; ou quem sabe um canto na cidade – perfurada de tiros; ou ainda um canto, remoto, no país – avacalhado pela descrença no outro (e em si mesmo); talvez até sirva um canto qualquer no mundo – devorado pela fome e pelas guerras e mazelas jamais desejáveis ao pior inimigo. Tudo ou nada significando sentidos in-corroboráveis. Pois só o que quer é residir num canto que possa chamar de seu – e, assim, caminhar para dentro do poço sombrio e destrutivo da alma desconhecida que lhe habita.

(Leia o post que originou o conto acima no blog do Heitor Jr. – que é para quem eu dedico esse).
*Publicado originalmente em 24 de abril de 2009.

desembrulhar presentes vazios

E o mau trato com o rasteiro. Desse, lamento não saber fugir: fica estampado na cara o desgosto quando a caixa não se revela, através de seu conteúdo, ser equiparável a de Pandora.

Onde andará segredado o verdadeiro mistério só alcançável pelo conhecimento?

Preciso dormir, insônia em demasia esquece de sentir; sentidos.

Piada de dois ou desvendando complicações

(...)

– Mas 'tou com um problema sério.
– Qual?
– Filmes.
– Porque?
– Tenho cada vez mais desgostado de ver adaptações de livros para audiovisuais: estragam minhas histórias pessoais.
– Haã...
– Eu imagino, crio, o personagem magro e colocam um ator gordo na tela. Aí eu me pergunto: o que é que eu faço com aquele excesso todo?
– humm... Lipo?

(trecho de uma conversa minha com Gabri)

'Dialética'


É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...

) Vinicius de Moraes (

Desnós

Descobri não invejar os mais jovens do que eu;

não almejar a juventude eterna;

não lamentar não ser testemunha do futuro;

(Se bem que estou jovem e isso talvez possa explicar as coisas, ao menos por hora...)

playlist - na praia:

Luciana Mello;
Emilio Santiago;
jazz ao vivo;


durante a tarde inteira... tranquila e bem agradável

Constatações - na praia:

pessoas belas reunidas banalizam;
pessoas feias reunidas democratizam;
espaço público não é considerado público;
só há igualdade entre iguais;
o autoritarismo auditivo impera;
e o silêncio é espécie em extinção;

no lugar

escrevi e perdi. isso não podia ter acontecido. as trevas, a submersão, a perda inesperada. nada podia ter acontecido. o apagão, o breu. nada podia estar acontecendo.

para onde foi tudo o que se apagou independente da nossa vontade? em que local é possível o depósito de todos os amores passados e que, uma vez terminados, esquecidos, soterrados pelas novas sensações e emoções, jazem inexistentes?

tento entender término tanto quanto início. e todas as promessas ditas e firmadas em pactos vazados, sem sentido... mas só compreendo o que posso tocar.

mar do norte

ainda não acordei. ainda não dormi: rio do meio é o meu ser nesse instante (passado e futuro próximos). às vezes vigio a noite por insegurança. durmo de dia acordado e atento ao relógio e suas badaladas às 18h como quem espia o mover do tempo, o chegar da escuridão. é medo de acordar noite.

enquanto houver dia, posso acreditar na luz, na esperança, no renascimento e descoberta. a noite espreito, cuido para que não dure mais do que seu tempo necessário para o equilíbrio.

nuvens claras como espumas e sonhos em ondas singelas. a verdade é que preciso de rio mais que de mar; preciso de uma direção para onde correr.

sobre vivências

e tudo passou tão de repente... que foi eterno.

epitáfio:

tenho achado que vasculhar a dor e descobrir a existência não precisa ser tão só


Disse a frase acima ao Chico Ribas, cara que admiro há um tempo já pelo que escreve, como escreve e atua (nos curtas que vi com ele); é do tipo de cara que dá vontade de ser amigo gratuitamente. Acredito mesmo que seja verdade, o que disse a ele; pelo menos por enquanto...

o nada e suas opiniões

no olho há a culpa. acordei cego, cego de tanto ver, ou melhor, de tanto enxergar. Ensaios sobre cegueiras é o que eu planejaria se pudesse... um formigamento no lado direito; deve ser derrame. derrame dá em gente fraca pra represas.

nasci engraçadinho antes mesmo de sê-lo. é o que dizem os sem palavras.

não tenho o que dizer mas digo como se não tivesse o que dizer estando dito todas as coisas que jamais disse. ou algo que faça sentido e que não tenha sido explicitado.

e prendi tem pouco tempo a não exigir muito. auto-estima é uma merda! fracasso também. o politicamente correto sai logo dizendo que se aprende com as perdas. prefiro aprender com os ganhos e lucrar com eles.
na verdade não prefiro nada. opiniões sobre o nada. e tudo isso porque não tenho o que dizer mas insisto em fazê-lo.

polpa, um poema

a Viviane Mosé

o sal que põe em minha boca
tem gosto adocicado,
febrífugo para feridas
em processo de cicatrização.

minhas veias dançam
meu corpo envolve
minhas mãos

arraigadas no solo
que um dia há de acolher
o descanso do que fui.

invento nomes, semeio sonhos,
rugas em processo de gestação
infinitamente amanhecendo

sobre o deserto que me veste
sarei minhas despedidas
ao te receber
sarei o meu abandono

no abraço de um corpo plantado
na pulsação de horas
a conceber vidas e mortes. em ciclos.

dentro do meu peito
flui um rio de águas claras.

embarcações e navios fantasmas

há muitos rascunhos, rabiscos, excessos, abscessos, nódulos e restos. há escritos abortados, e tristezas desprezadas, e muita secura. Em alguns baús existe e integridade, a preservação alcançou letras salvas pela arca – que leva o nome de ‘backup’. Pretendo trazer a superfície quase tudo o que foi salvo. Muito terminei de matar com a certeza de que era o bem maior a ser feito. Alguns contos e poemas sobreviveram a enchente, merecem o perdão, a cura, a restituição, a eternidade. Quase sempre detesto o que escrevi, quase sempre detesto não escrever por detestar o que escrevo. e o que significa tudo isso?, quem pode significar a existência e lhe dar algum mínimo sentido? o que faço eu para estar aqui enquanto tantos não...

divagar é preciso

Decidi voltar a escrever e por isso a volta desse espaço. Dizer que decidi não significa nada; se eu pudesse decidir realmente algo sobre minha própria vida, muita coisa seria diferente. Não escrevo o que quero nem quando quero ou porque quero; escrevo porque – como já disse um de meus poetas-mestre – ‘escrevo porque não sei amar de outro jeito’.

Escrever é momento de vivências. Resolvi abrir os poros e permanecer pronto, a espera de quando a escrita vier junto as experiências (da memória) – mas isso não quer dizer que deixo ao acaso, faço minha parte...
____________caminho ao longo do canal. e escrevo longas cartas pra ninguém, como na canção da Adriana Calcanhotto e do Antônio Cícero. Enquanto aguardo o inverno, entre o ontem e o hoje, vivo minhas divagações...

Toda questão

A vida só tem sentido do lado avesso.

(mas tem de ter sentido?)
(tem lado inverso?)


(tem verso?)

uma foto da Gabi e um poema meu

lágrimas escorriam
por sobre as pedras
em meus olhos
deslumbrado céu de flores
e vazado coração.

Sobre sumiços passados e futuros

Às vezes nos escondemos para poder sentirmos falta de nós mesmos. Mesmo percebendo o quão em vão é tentar fugir. Tentei; mudei de cidade, mudei de ares, de Estado, inclusive, mas tudo o que sou e sinto carrego comigo, à revelia da minha vontade.

Se eu pudesse, eu nada seria, mas tenho descoberto o quanto é o desconhecido. Retorno na esperança de me encontrar com o outro que não sou, mas que, quem sabe um dia, eu possa sê-lo.