*Para Heitor,

a situação é mesmo essa ao acordar e ver como o mundo se apresenta. Aí se arrasta até a rua, porque a sobrevida segue consigo, e dá de cara com alguém feliz! Vê uma pessoa feliz e pede desculpa, desculpa por também não estar sorrindo – mesmo que, a seu ver, não haja motivos; mesmo que não saiba as causas do largo afrouxar de lábios do outro, com seus dentes brancos e alinhados, a língua louca pra doar um jorro... –, desculpa por não saber, por não fazer, por seus olhos enxergarem além de si mesmo, por enxergar o que os outros não... E vai batendo uma angústia, de repente, uma dor no peito crescendo em direção ao céu cinzento e turvo podendo, a qualquer momento, escapar pela boca... Sentindo-se mal por estancar o venoso da alma; amaldiçoado por todo colesterol ruim que irá consumir em salgados fritos e comidas enlatadas ou congeladas; pelas atividades físicas que não pratica; pelas ligações não feitas pra família; pelas palavras não ditas e a falta de remorso; pelos vícios que têm e pelos que ainda terá; por todos os cigarros e cervejas levados até o fim sem culpa. Vai batendo um mal-estar como se uma porrada na boca do estômago. Porque, na verdade, só o que quer é um canto na sala – úmida pela infiltração; só o que quer é um canto no apartamento – sem luz nem gás; ou quem sabe um canto na cidade – perfurada de tiros; ou ainda um canto, remoto, no país – avacalhado pela descrença no outro (e em si mesmo); talvez até sirva um canto qualquer no mundo – devorado pela fome e pelas guerras e mazelas jamais desejáveis ao pior inimigo. Tudo ou nada significando sentidos in-corroboráveis. Pois só o que quer é residir num canto que possa chamar de seu – e, assim, caminhar para dentro do poço sombrio e destrutivo da alma desconhecida que lhe habita.

(Leia o post que originou o conto acima no blog do Heitor Jr. – que é para quem eu dedico esse).
*Publicado originalmente em 24 de abril de 2009.

3 comentários:

Heitor Nunes disse...

Bonito e cruel. Coisas que eu gosto muito. Eu diria que vc tem um jeito elegante de dizer coisas difíceis de se dizer.

Abraço!!

nathanael: disse...

Valeu, Heitor, abraço!

Géssica disse...

Muito bom o conto Nathy! Apesar de triste, é legal =D

beeijo ;*